Artigo publicado originalmente na revista Metropolis Magazine por Samuel Medina, sob o nome de Hitchcock and the Architecture of Suspense.Na publicação, o autor revisa o livro The Wrong House: The Architecture of Alfred Hitchcock de Steven Jacobs, que usa a análise de especialistas e a reconstrução das plantas baixas para examinar como o famoso diretor criava o suspense através dos seus cenários.
Nos filmes de Alfred Hitchcock, coisas acontecem, mas os acontecimentos que deram origem à elas são facilmente esquecidos. Nos esquecemos facilmente como A conduz ao B ou, por exemplo, porque Roger Thornhill acaba no monte Rushmore em North by Northwest. Mas, como observou o cineasta francês Jean-Luc-Godard, o cinema de Hitchcock não prende a atenção por sua história, mas por suas imagens: a mão aberta alcançando a porta, a queda simulada da escada, o afastamento em espiral da câmera na cena da mulher morta. Esses fragmentos rígidos carregam seus filmes de um encanto misterioso e imprimem-se na mente do espectador de maneira muito mais eficaz que qualquer uma de suas complicadas tramas.
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Em seu livro recentemente reeditado, The Wrong House: The Architecture of Alfred Hitchcock, Steven Jacobs amplia esta visão. O livro, baseado em uma mostra de 2007 de mesmo nome, descomprime a imagem arquitetônica de vários títulos de Hitchcock, abordando desde suas primeiras obras americanas como "Rebecca, A Mulher Inesquecível" e "Suspeita", até seus sucessos de bilheteria como "Um Corpo Que Cai" e "Os Pássaros". Ele o faz, por um lado, através da exegese, em que Jacobs fundamenta suas leituras usando figuras como Walter Benjamin e Gaston Bachelard, além de uma equipe de apoio de acadêmicos de Hitchcook. Por outro lado - posicionando o diretor como um "não-arquiteto" -, Jacobs recria e analisa as as plantas de alguns dos mais memoráveis cenários de Hitchcock.
Em uma primeira análise, o autor traça o desenvolvimento de Hitchcock como cineasta e define sua linguagem cinematográfica. Da mesma forma que muitos outros autores, Jacobs confere muita importância ao fato de que o jovem Hitchcock trabalhou como cenógrafo na década de 1920, na Alemanha de Weimar. Sendo um desenhista de cenários, argumenta Jacobs, Hitchcock não só digere a estética expressionista do cinema alemão, mas também experimenta em primeira mão todo o dinamismo do sistema de estúdios e seu controle implícito. "O cinema alemão foi mais arquitetônico, mais cuidadosamente desenhado, mais preocupado com a atmosfera", escreve Jacobs, citando o biógrafo de Hitchcock, Patrick McGilligan.
Jacobs, porém, rompe com a ideia de que Hitchcock possa ser visto como o sucessor do expressionismo. Apesar de incorporar elementos do gênero em quase todos seus filmes - o uso das sombras ou as mudanças de perspectivas, por exemplo - Hitchcock estava muito entregue a uma linhagem diferente do cinema alemão, o Kammerspielfilm. Esse estilo - o "drama de câmara" - lança um olhar meticuloso sobre a "vida cotidiana dos indivíduos nos ambientes claustrofóbicos". Essa atenção aos detalhes, é claro, qualifica cada um dos filmes de Hitchcock. Segundo Jacobs, "a combinação da intimidade, da exploração cuidadosa dos interiores domésticos, do uso de objetos muito carregados e do trabalho móvel da câmera", que caracteriza o Kammerspielfil, tornaram-se marcas do suspense de Hitchcock.
Esse "background alemão", como o próprio diretor chamava, condicionou seus métodos de trabalho durante as próximas décadas, independentemente do estúdio para o qual trabalhava. Mais importante ainda, o seu tempo no UFA studios aprofundou seu apreço pela direção de arte, a tal ponto que, para ele, o próprio set poderia ser transformado em um personagem ativo na narrativa. O projeto do cenário poderia acomodar tanto as características específicas da sequência de comandos quanto também influenciar os atores que o habitam. Construções e detalhes arquitetônicos eram necessários para conferir conteúdo à esse papel fundamental.
Em um nível, isso pode ser alcançado mediante a manipulação de objetos carregados de significado. Em um filme de Hitchcock, a fechadura de uma porta ou um molho de chaves são reimaginados como um dos muitos "objetos fetiche" que antecipam um momento de suspense. "Esses temas arquitetônicos", explica Jacobs, "frequentemente são relacionados com as narrativas específicas ou construções da trama, como um segredo que se oculta dentro dos confins da casa e da família". Uma janela ilumina o interior de uma casa ou apartamento, ao mesmo tempo que promove o voyeurismo compulsivo que leva Jeff à ruína em "Janela Indiscreta". Do mesmo modo, uma escala não somente conecta "os espaços semipúblicos da casa com o ambiente privado dos dormitórios", mas também , por essa razão, anuncia uma profunda crise familiar.
Mas Hitchcock não estava satisfeito em criar cenários falsos. Como escreveu para a entrada da Enciclopédia Britânica, "um diretor de arte deve ter amplo conhecimento e compreensão da arquitetura". Essa convicção está evidente nos desenhos detalhados dos sets de Hitchcock, como os que aparecem em "Festim Diabólico", "Janela Indiscreta", "Psicose" e muitos outros. Como Jacobs mostra em 26 planos produzidos exclusivamente para o livro, Hitchcock era muito consciente da planta arquitetônica e do seu papel na cena. Mas isso não quer dizer que ele colocava muita importância nas implicações ideológicas ou funcionais da planta. Ele a utilizou como um modelo em que representa o conteúdo psicológico de um filme e a coreografia de seus movimentos dramáticos.
Os desenhos são "reconstruções de espaços que nunca existiram", diz Jacobs, e como tal, nem sempre têm sentido arquitetônico. Cenários como os de Manderlay, na mansão de Rebecca, estão cheias de inconsistências, muitas das quais são, contudo, impossíveis de ver na tela do cinema. Mudanças supérfluas de cortes e cantos barrocos para acomodar o movimento da câmera ou, em muitos casos, uma só posição da câmera. Inclusive quando os sets são consistentes, seu desenho revela a mão de um arquiteto particularmente incapaz. A planta baixa para a Casa Bates em "Psicose", por exemplo, mostra como o dormitório de Norman é opressivamente pequeno. Do mesmo modo que, os quartos do motel adjacente não estão dispostos de uma maneira eficiente, com a banheira no Quarto 1 invadindo a sala de estar do vizinho.
Contudo, mesmo que possam falhar no desenho, as plantas revelam preocupações ambiciosas. Em "Psicose", a composição dos cenários encarnam fisicamente a personalidade dividida de Norman, de uma maneira que não é imediatamente evidente, mas que pouco a pouco vai tornando-se clara. Citando Slavoj Žižek, Jacobs ressalta a "arquitetura esquizóide" que é encontrada na Casa Bates e em como os edifícios estão espacialmente relacionados entre si. A casa imponente, mas em ruínas na colina se justapõem com a geometria retilínea do motel. O estado mental frágil de Norman é um resultado direto de "sua incapacidade de localizar-se entre a caixa modernista anônima do motel e a casa gótica de sua mãe". Ou para citar Godard, uma vez mais, aqui entre esses dois externos de arquitetura, encontra-se "o terreno tangível da inquietude de cada um".
O livro de Steven Jacobs é uma excelente fonte sobre Alfred Hitchcock e a história do cinema. Suas principais provocações - que a arquitetura pode ser comparada com a cenografia, ou que Hitchcock era uma espécie de "arquiteto" - estão bem justificadas ao longo da publicação. O livro é uma grande recompilação do trabalho do diretor e está apoiado em uma grande quantidade de fontes e pesquisas tão idôneas como o seu trabalho.